A atividade de franquia não estava incluída na lista de serviços anexa ao Decreto-lei n° 406/68, que disciplinava o ISS até a entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/03. Existia, porém, a previsão de incidência do ISS sobre a atividade de “agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchising) e de faturação (factoring)”.
Devido ao fato de referido Decreto-lei não ser expresso quanto à incidência do ISS nas atividades de franquia houve muita dúvida sobre o assunto, gerando debates na doutrina e na jurisprudência nacional. No que se refere a períodos anteriores à entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/03, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido da não incidência do imposto municipal (REsp 1131872/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010).
Com o advento da Lei Complementar nº 116/03, que revogou as disposições do Decreto-lei nº 406/68, a figura da franquia foi incluída no rol dos serviços tributáveis pelo ISS de forma expressa (item 17.08). Apesar desta inserção, a dúvida ainda persiste e continua sendo objeto de ações por parte dos franqueadores, que entendem que a franquia não é um serviço por ser um contrato complexo, não sendo passível a cobrança do ISS.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, com a inclusão da franquia na lista de serviços, estaria autorizada a cobrança do ISS sobre tais atividades (AgRg no REsp 1191839/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/04/2011, DJe 27/04/2011).
No entanto, uma vez que a mera inclusão da atividade de franquia no rol dos serviços tributáveis pode não ser suficiente para legitimar a incidência desse imposto a uma atividade que não corresponde a uma efetiva prestação de serviço, o próprio Superior Tribunal de Justiça também manifestou entendimento no sentido de que a questão possui natureza constitucional e, portanto, deve ser discutida no Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ISS. EMPRESA FRANQUEADA QUE PRESTA SERVIÇOS POSTAIS E TELEMÁTICOS. PERÍODO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LC 116/03. INCIDÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCEITO. PRESSUPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
(…)
3. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a discussão em torno do conceito de serviço para fins de incidência do ISS é de cunho eminentemente constitucional (art. 156, inciso III, da Constituição Federal), descabendo a esta Corte, por meio da via recursal eleita, tal apreciação, sob pena de usurpação da competência conferida, tão-somente, ao Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no REsp 1191465/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 10/03/2011)
O contrato de franquia é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil (Adalberto Simão Filho, “Franchising”, SP, 3ª ed. Atlas, 1988, pp. 33/55).
A hibridez e complexidade do contrato de franquia estão expressas através do seu conceito, disposto no art. 2°, da Lei n° 8.955/94, que prevê: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”
A natureza complexa do contrato implica, então, na necessidade do afastamento da caracterização de prestação de serviço, e consequentemente, no afastamento da tributação pelo ISS.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já decidiu que a Lei Complementar n° 116/2003 não tem o condão de modificar a natureza do instituto e o entendimento de que não existe, na relação de franquia, prestação de serviços (Apelação 9061851-72.2009.8.26.0000 – TJ/SP).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também reconheceu o caráter constitucional da discussão relativa à tributabilidade da franquia pelo ISS e julgará a questão (RE 603136 RG, Relator: Min. MIN. GILMAR MENDES, julgado em 02/09/2010, DJe-185 DIVULG 30-09-2010 PUBLIC 01-10-2010).
Assim, enquanto o Supremo não der a palavra final a matéria ainda ficará sendo debatida nas cortes inferiores, sem qualquer conclusão definitiva.
Há, no entanto, precedentes que podem servir de indicativo para a questão aqui analisada. Quando do julgamento a respeito da incidência do ISS sobre atividades de locação de bens móveis, o Supremo analisou o conceito constitucional do imposto municipal.
Entendeu o Supremo Tribunal Federal pela impossibilidade de se tributar, pelo ISS, uma obrigação de dar. A Súmula Vinculante nº 31 dispõe que “É INCONSTITUCIONAL A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISS SOBRE OPERAÇÕES DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS”. Um precedente que deu origem à elaboração da Súmula dispõe:
“TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.
(RE 116121, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2000, DJ 25-05-2001 PP-00017 EMENT VOL-02032-04 PP-00669)”. (grifos e destaques nossos)
Os Ministros consideraram que a locação de bens móveis, na realidade, configura-se operação de dar que não se enquadra no conceito se serviços contido no art. 156, inciso III, da Constituição Federal. Ao analisar a questão, o Ministro Celso de Mello assim se expressou:
“Cabe advertir, neste ponto, que a locação de bens móveis não se identifica e nem se qualifica, para efeitos constitucionais, como serviço, pois esse negócio jurídico – considerados os elementos essenciais que lhe compõem a estrutura material – não envolve a prática de atos que consubstanciam um praestare ou um facere.
Na realidade, a locação de bens móveis configura verdadeira obrigação de dar, como resulta claro do art. 1.188 do Código Civil: (…)
O fato irrecusável é um só: a Constituição, quando atribui competência impositiva ao Município para tributar serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência das outras pessoas políticas, exige que só se alcancem, mediante incidência do ISS, os atos e fatos que se possam qualificar, juridicamente, como serviços.”
Assim, referida decisão pode servir como exemplo do entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de tributação, pelo ISS, do que não seja serviço propriamente dito.
É importante esclarecer por fim, que não basta cessar o pagamento do imposto. Se o franqueador entender que o ISS não é aplicável às relações de franquia, deve buscar os seus direitos através de uma ação judicial. Apenas e tão somente o judiciário terá o condão de determinar a ilegalidade da cobrança, permitindo assim, que o ISS não seja pago pelo franqueador.
* Marina Nascimbem Bechtejew Richter é sócia do Nascimbem Bechtejew Advogados
marina@nbadv.com.br