Como as redes têm crescido convertendo pequenos negócios independentes em franquias
Marcas aproveitam estrutura de empreendedores para expandir com menos custos, mas especialistas alertam para riscos tanto para a franqueadora como para o empreendedor
Por
Paulo Gratão
Após pesquisar o mercado, Vasconcelos acabou fechando negócio com a rede Selfit, fundada em 2012, em Salvador (BA). Ele conta que a decisão o ajudou a melhorar aspectos de gestão no negócio e a focar mais no dia a dia. “Fazer campanha [para captação de alunos] em rede é mais fácil”, diz. De lá para cá, Vasconcelos Filho abriu mais duas franquias da marca em Recife e já se prepara para inaugurar a quinta unidade em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana da capital pernambucana.
Ele conta que a decisão de fazer a conversão não foi fácil: enfrentou resistência da própria família e ouvia comentários negativos sobre se submeter a uma marca. No entanto, diz que “teria feito antes” se soubesse como seria o resultado. “O faturamento cresceu entre 50% e 70% por unidade porque eu comecei a me dedicar mais à gestão, sem precisar pensar o negócio como um todo”, diz. O empreendedor diz que planeja ter dez unidades da rede nos próximos dois anos.
A Selfit começou a expansão por franquias há cerca de um ano e hoje tem 107 unidades negociadas, e 90 em operação. Do total, 23 são franquias e 15% dessas vieram de “virada de bandeira”, como as duas academias de Vasconcelos. O investimento inicial para abrir uma franquia do zero é a partir de R$ 3 milhões, mas os valores para a conversão, em geral, são menores, pois o candidato a franqueado já tem parte da estrutura necessária.
O processo não é novidade, mas passou a ganhar tração nos últimos anos pela profissionalização dos negócios de bairro e a necessidade do ganho de escala de pequenas empresas independentes. Na visão de Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, esse movimento deve se intensificar ainda mais. “A migração do pequeno lojista para uma franquia dá acesso a estratégias e tecnologias que ele sozinho não teria, como controle maior de estoque, digitalização e melhores condições com fornecedores, entre outros”, diz.
Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt, diz que os pequenos empreendedores perceberam que operar negócios de varejo de forma isolada pode trazer mais desafios. Da mesma forma, as franqueadoras passaram a enxergar formas de se expandir sem alterar o cenário das economias locais. “Antes um grande player chegava e quebrava os pequenos, era só agilidade para crescer. Hoje tem a percepção da colaboração. Por que quebrar alguém em vez de aproveitar os recursos que já estão lá?”, diz.
Assim como Vasconcelos, da Selfit, o empreendedor Feyes Ayache, 59 anos, tinha uma clínica odontológica havia 33 anos na Vila dos Remédios, em São Paulo. Percebeu que o mercado começou a ficar mais complicado quando se viu rodeado de clínicas de marcas de franquia, que conseguiam trabalhar preços mais baixos, com uma mecânica mais organizada de captação de clientes.
“Vi que precisaria seguir esse caminho, mas queria manter a minha qualidade. Fiquei bastante tempo estudando várias bandeiras, procurei algumas franquias que conhecidos meus tinham, mas não gostei de nenhuma daquelas”, conta.
Ayache acabou optando pela Odonto Special by Sabrina Sato, rede fundada por Felipe Abreu, que tem a apresentadora como uma das sócias. De acordo com o franqueado, foi a marca com a qual mais se identificou. “Nossa antiga clínica era familiar, com controles caseiros. Esse foi um dos principais desafios na migração, porque eu não sou uma pessoa informatizada”, diz. Ele fez a conversão no último mês de fevereiro.
Além do mindset, o empreendedor viu tudo se transformar em seu antigo negócio: layout, cadeiras, cores e estrutura do consultório. “No começo, alguns clientes antigos entraram na clínica para perguntar para onde eu tinha me mudado, porque tudo estava diferente”, conta. De acordo com ele, os ganhos foram o aprendizado de como captar mais pacientes. “Eu não tinha dentista avaliador, por exemplo, agora passei a ter e isso ajuda a trazer pacientes”, diz.
A Odonto Special tem 90 unidades, entre abertas e negociadas, e 20% vieram de conversão de franquia. A virada de bandeira é um dos focos de expansão da rede. A prática costuma demandar um investimento menor do interessado, de cerca de R$ 100 mil, enquanto uma franquia nova da Odonto Special custa a partir de R$ 300 mil.
No segmento odontológico a virada de bandeira tem sido ainda mais comum, sobretudo para ajudar dentistas que não têm conhecimento em gestão, mas abriram seus próprios consultórios e agora buscam por redes. Algumas concorrentes, como a OrthoDontic, por exemplo, também têm estimulado a prática. Hoje, quase 10% das 300 unidades vieram de conversão de bandeira.
Lyana Bittencourt afirma que a prática pode ser aplicada a diversos segmentos. Ela própria tem conduzido processos semelhantes em redes voltadas ao agro e laboratórios clínicos, por exemplo. A preocupação precisa ser com a integração do novo negócio à rede de forma eficaz.
“No modelo 1.0 da conversão, a rede simplesmente mudava a bandeira e dava algum treinamento. Não havia uma preocupação com dados sensíveis, por exemplo. Hoje não é possível abrir mão de levar a tecnologia da rede para dentro da unidade convertida. É preciso se preocupar com os alicerces de dados, sistemas e tecnologia”, diz.
Ajuste de estoque e aumento de vendas
O empreendedor Suerlan Leite Pinheiro, 42 anos, comandou uma loja de suplementos alimentares independente em Floriano (PI) por cerca de dois anos, mas decidiu fazer a conversão para uma franquia do ramo, a Dr. Shape, no início deste ano. “Quando atuava sozinho, sentia dificuldades, especialmente na organização. Pensava que sabia trabalhar, mas não sabia. Não tinha tempo e motivação”, diz. De acordo com ele, o faturamento cresceu cerca de 30% desde que fez a mudança.
Pinheiro encontrou a rede a partir de uma busca no Google, mas antes de tomar a decisão entrou em contato com outros franqueados para saber mais sobre a marca. “Todo o processo de conversão de bandeira foi muito rápido, visto que aproveitaram 80% do meu estoque. Os 20% dos produtos que não eram homologados tive de vender antes de inaugurar minha unidade”, afirma.
Hoje, das 70 lojas da Dr. Shape, 20% vieram de conversão de franquia. O investimento inicial para uma unidade do zero é a partir de R$ 200 mil. Pinheiro conta que, como aproveitou estoque e espaço, injetou R$ 80 mil na conversão para refação de layout, reposição de produtos e aquisição da linha exclusiva de itens da Dr. Shape.